October 7, 2006

An Officer Mourns For His Dead Horse

Lamento do oficial por seu cavalo morto

Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.

Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...

Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...

Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)



An Officer Mourns For His Dead Horse

We deserve death
because we are human
and make wars with our hands
with our heads wrapped in centuries of shadows
with our strange and unstable blood, with the orders
we carry inside us, which remain without explanation.

We create fire, speed, the new alchemy,
the calculated gestures,
even though we know we are brothers.
Even atoms are our accomplices, and what sins
of science, at sea, in the clouds, even among the stars.
What madness without God, our imagination!

And here you died! Your death is mine, which, by mistake,
came to you. You don't complain. You don't think. You don't know. I'm outraged
to see your harmless heart stop for mine.
Enchanted animal--better than all of us!
What did you have to do with this world
of men?

You learned to live, quiet and pure, intermingled
flesh and dreams that your eyes deciphered . . .

King of the green plains, trembling rivers of whinnies . . .

How did you come to die for one who kills your brothers!

--Cecília Meireles (Absolute Sea and other poems, Rio de Janeiro, 1983

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